REFLEXÃO
Como gostaria, Nicola, de saber inventar
um lugar que fosse distante, só nosso,
um lugar onde as palavras fossem apenas palavras
e quando olhasse em volta já nada mais houvesse
que algo que guardássemos só para nós.
Sei que por vezes áspero tem sido o nosso caminho
e tanto a alegria como o ânimo, por momentos,
tenderam a abandonar-nos
e por isso medito sobre o que tem sido a nossa vida.
Medito enquanto olho o horizonte
nele revendo o teu sorriso de dentes brancos, lábios rubros e sensuais
e o teu olhar que ilumina como se lua cheia fosse.
Reparo que consegues manter, apesar dos anos,
um corpo sadio e firme
e os teus cabelos ainda conservam algum do brilho de outrora.
Interrogo-me sobre o que nos leva
a não esquecer os problemas da alma
e a não vivermos o tempo e a ventura que ainda nos restam,
a não aproveitar a onda de desejo de viver e partilhar
que continua a erguer-se e a apossar-se de nós,
embora já um pouco trémula, é certo,
mas ainda capaz de encher, juntamente com teu encanto,
o meu peito amante e silencioso que sempre espera por ti
enquanto o relógio, lento e preguiçoso se arrasta dia após dia
a contar o tempo que por mim passa
mas a não conseguir que deixe de me sentir jovem,
mesmo notando que tudo à minha volta se torna mais pesado.
Tudo continua como outrora a conjugar-se em luz e ventura
dizendo-nos que aproveitemos o bem que temos
pois todo o bem é uma dádiva
e toda a dádiva um bem a não perder.
JOSÉ BENTO